Direito Penal Econômico

Crimes Tributários

12/2/20256 min read

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Direito Penal Econômico e Crimes Tributários

O Direito Penal Econômico, ramo autônomo da ciência criminal, dedica-se à tutela de bens jurídicos supraindividuais essenciais à ordem econômica do Estado, como o sistema financeiro, a livre concorrência e, de forma proeminente, a ordem tributária. A criminalização de condutas que lesam o erário não apenas visa garantir a arrecadação, mas também assegurar a livre, justa e solidária concorrência entre os agentes econômicos.

Com a promulgação da Emenda Constitucional nº 132/2023, a chamada Reforma Tributária, o sistema de tributação sobre o consumo no Brasil passará por uma transformação profunda. Essa mudança não se restringe à esfera fiscal, projetando impactos significativos na seara dos crimes contra a ordem tributária, exigindo dos profissionais do direito uma análise atenta das novas dinâmicas e das futuras interpretações jurisprudenciais.

1. Os Crimes Contra a Ordem Tributária e o Elemento Subjetivo (Dolo)

A principal norma que tipifica os crimes tributários é a Lei nº 8.137/90. Os delitos mais comuns são os de sonegação fiscal, previstos em seu artigo 1º, que se caracterizam pela supressão ou redução de tributo mediante fraude.

Um ponto central de debate na doutrina e na jurisprudência é a natureza do dolo exigido para a configuração desses crimes. A jurisprudência majoritária, especialmente a do Superior Tribunal de Justiça (STJ), consolidou-se no sentido de que, para os crimes de sonegação fiscal (art. 1º da Lei nº 8.137/90), basta a demonstração do dolo genérico.

  • Dolo Genérico: Consiste na vontade livre e consciente de praticar a conduta descrita no tipo penal (ex: omitir informação, fraudar a fiscalização), sem a necessidade de um fim específico de lesar o Fisco. A mera consciência de que a conduta resultará na supressão ou redução do tributo é suficiente.

STJ — AgRg no AREsp 1971092 DF 2021/0301206-2 — Publicado em 10/06/2022

Nos crimes contra a ordem tributária, é suficiente a demonstração do dolo genérico para a caracterização do delito. A alteração do entendimento do Tribunal de origem, que concluiu pela existência de provas da conduta dolosa, demandaria o reexame fático-probatório, vedado pela Súmula n. 7 do STJ.

Contudo, uma importante distinção foi estabelecida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para o crime de apropriação indébita tributária (art. 2º, II, da Lei nº 8.137/90), especificamente no que tange ao não recolhimento de ICMS declarado. Nesses casos, o STF passou a exigir a comprovação do dolo específico de apropriação, ou seja, a intenção deliberada de se apoderar dos valores que pertencem ao Fisco.

STJ — EDcl no HC 690896 SC 2021/0281380-2 — Publicado em 07/04/2022

Acolhendo precedente do STF (RHC 163.334/SC), o STJ reconheceu a necessidade de dolo específico de apropriação para a caracterização do crime de apropriação indébita tributária. A mera inadimplência, justificada por dificuldades financeiras e sem outras circunstâncias que demonstrem a intenção de se apropriar dos valores, não configura o crime.

Essa distinção é fundamental, pois afasta a criminalização da mera inadimplência tributária, que, por si só, deve ser resolvida na esfera administrativa-fiscal. A responsabilidade penal exige a prova de uma conduta fraudulenta e intencional.

2. A Extinção da Punibilidade pelo Pagamento do Tributo

Um dos institutos mais relevantes do Direito Penal Tributário é a extinção da punibilidade pelo pagamento integral do débito. Trata-se de uma política criminal que prioriza a arrecadação e a reparação do dano ao erário em detrimento da aplicação da sanção penal.

O STF, em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade, confirmou a plena validade dessa medida, consolidando o entendimento de que o pagamento integral do crédito tributário, a qualquer tempo, mesmo após o recebimento da denúncia, extingue a punibilidade do agente.

STF — AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE: ADI 4273 DF — Publicado em 01/09/2023

O STF declarou a constitucionalidade de normas que preveem a suspensão da pretensão punitiva pelo parcelamento e a extinção da punibilidade pelo pagamento integral do débito tributário. Entendeu-se que tais medidas prestigiam os princípios da intervenção mínima do direito penal e da proporcionalidade, priorizando a arrecadação e a reparação do dano.

A jurisprudência do STJ segue a mesma linha, aplicando o benefício de forma consistente, desde que o pagamento seja integral, abrangendo o principal, juros e multa.

STJ — AgRg no AREsp 2534312 DF 2023/0462494-1 — Publicado em 22/08/2024

Comprovado o pagamento integral do débito tributário por meio de relatório da autoridade fiscal, a extinção da punibilidade é medida que se impõe, podendo ser concedida de ofício em sede de Habeas Corpus.

3. Impactos da Reforma Tributária e Novas Perspectivas

A Reforma Tributária, ao instituir o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) em um modelo de valor agregado (IVA dual), com apuração centralizada e complexos mecanismos de crédito e débito, abrirá uma nova fronteira para o Direito Penal Tributário. Algumas perspectivas a serem consideradas:

  • Novas Modalidades de Fraude: A complexidade do novo sistema, especialmente durante o período de transição, poderá dar origem a novas formas de fraudes estruturadas, como a criação de empresas fictícias para geração de créditos indevidos de IBS/CBS ou a manipulação de informações no sistema digital integrado.

  • Fiscalização e Prova Digital: A sistemática de "split payment" e a apuração centralizada e digitalizada dos novos tributos tendem a aumentar a capacidade de fiscalização do Fisco em tempo real. Isso pode, por um lado, inibir a sonegação, mas, por outro, exigirá uma análise ainda mais técnica da prova digital para a caracterização do dolo e da materialidade delitiva.

  • Responsabilidade Penal na Cadeia Produtiva: A definição de responsabilidade penal em operações complexas envolvendo múltiplos agentes na cadeia de valor do IVA poderá se tornar mais desafiadora, exigindo a individualização precisa da conduta de cada agente para evitar a responsabilidade penal objetiva.

A jurisprudência terá um papel crucial em adaptar os conceitos de dolo, materialidade e autoria a essa nova realidade, garantindo que a persecução penal se volte contra fraudes deliberadas e não contra meros erros ou divergências interpretativas na apuração dos novos tributos.

4. Panorama da Jurisprudência Relevante

  • STF — AG.REG. NOS EMB.DECL. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO: ARE 1569311 BA - BAHIA — Publicado em 14/11/2025: A garantia integral do débito tributário em dinheiro pode levar à suspensão da ação penal e do prazo prescricional até o julgamento definitivo na esfera cível.

  • STJ — AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS: AgRg no HC 918988 SC 2024/0199980-1 — Publicado em 23/08/2024: O princípio da insignificância é aplicável a crimes tributários estaduais quando o débito não ultrapassa o valor de referência para ajuizamento de execuções fiscais estabelecido pela legislação local.

  • STJ — AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL: AgRg no REsp 2007586 MG 2022/0181608-2 — Publicado em 21/12/2022: A mera condição de sócio-administrador não é suficiente para a condenação por crime tributário, sendo imprescindível a demonstração do elemento subjetivo (dolo) para caracterizar a responsabilidade penal.

  • TRF-4 — Recurso Criminal em Sentido Estrito: RCCR 50098251220214047108 RS — Publicado em 2021: Em crimes tributários, a reparação do dano ocorre pela via da execução fiscal, não sendo a sua inclusão uma condição obrigatória para a homologação de Acordo de Não Persecução Penal (ANPP).

Conclusão

O cenário do Direito Penal Tributário no Brasil é dinâmico, marcado por uma jurisprudência que busca equilibrar a necessidade de proteção do erário com as garantias fundamentais do contribuinte. A extinção da punibilidade pelo pagamento e a exigência de dolo para a configuração do crime são pilares que humanizam a aplicação da lei penal nessa área.

A Reforma Tributária representa um ponto de inflexão que demandará do advogado criminalista tributário não apenas o domínio da dogmática penal, mas também um profundo conhecimento do novo sistema de tributação. A capacidade de analisar a prova digital, compreender as novas estruturas de fraude e argumentar sobre a ausência de dolo em um ambiente fiscal mais complexo será o diferencial para a defesa dos direitos dos contribuintes.