O Fim da Isenção sobre Dividendos no Brasil

Isenção sobre Dividendos no Brasil

12/2/20254 min read

a street sign on wall street in new york city
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O Fim da Isenção sobre Dividendos no Brasil: Análise e Perspectivas

A discussão sobre a tributação de lucros e dividendos tem ganhado destaque no Brasil, especialmente no contexto da Reforma Tributária. Por décadas, a isenção do Imposto de Renda sobre os dividendos distribuídos a pessoas físicas foi uma característica marcante do sistema tributário nacional. No entanto, propostas recentes visam alterar essa realidade, gerando intensos debates sobre seus impactos jurídicos e econômicos.

1. Contexto Histórico: A Isenção e Seus Fundamentos

A isenção do Imposto de Renda sobre os lucros e dividendos recebidos por pessoas físicas foi instituída pela Lei nº 9.249/1995. A lógica por trás da medida era evitar a bitributação econômica, uma vez que o lucro da empresa já era tributado pelo Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e pela Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).

A ideia era que, ao tributar o resultado na pessoa jurídica, a posterior distribuição desse mesmo resultado aos sócios ou acionistas deveria ser isenta para não onerar duplamente a mesma base de cálculo. Essa sistemática vigorou por quase 30 anos, incentivando o reinvestimento de lucros e a distribuição de resultados aos investidores.

A jurisprudência administrativa e judicial consolidou o entendimento sobre as condições para essa isenção, exigindo, por exemplo, que a empresa demonstre a existência de lucros por meio de escrituração contábil regular, especialmente para optantes do lucro presumido que distribuem valores acima da base de cálculo presumida.

CARF — RECURSO VOLUNTARIO 19515721423201318 2201-012.345 — Publicado em 10/11/2025

A empresa optante pelo lucro presumido pode distribuir lucros isentos em valor superior à base de cálculo presumida, desde que demonstre, por meio de escrituração contábil regular e tempestivamente registrada, que o lucro efetivo é maior. A ausência de registros contábeis devidamente autenticados compromete a comprovação da isenção.

2. A Reforma Tributária e a Proposta de Retomada da Tributação

As propostas de Reforma Tributária em tramitação no Congresso Nacional trazem como um de seus pontos centrais o fim da isenção sobre dividendos. O principal argumento é a busca por maior justiça fiscal e isonomia, alinhando o Brasil às práticas da maioria dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que tributam a renda do capital na pessoa física.

As propostas geralmente sugerem a aplicação de uma alíquota — em torno de 15% — retida na fonte sobre os lucros e dividendos distribuídos. Em contrapartida, para evitar um aumento excessivo da carga tributária total, os projetos preveem uma redução das alíquotas do IRPJ.

O objetivo é equilibrar a tributação entre a pessoa jurídica e a pessoa física, incentivando as empresas a reinvestirem seus lucros em vez de distribuí-los, e aumentando a arrecadação sobre a renda do capital, que hoje é concentrada em indivíduos de maior poder aquisitivo.

3. Consequências Jurídicas da Nova Tributação

A retomada da tributação de dividendos levanta importantes questões jurídicas:

  • Bitributação: O principal argumento contrário à nova tributação é o risco de "bis in idem" ou bitributação econômica. Críticos afirmam que, mesmo com a redução do IRPJ, a tributação ocorrerá sobre a mesma riqueza (o lucro), primeiro na empresa e depois no sócio. A defesa da proposta, por outro lado, argumenta que se tratam de fatos geradores distintos, envolvendo contribuintes diferentes (pessoa jurídica e pessoa física).

  • Princípio da Isonomia: A favor da tributação, argumenta-se que a isenção atual fere o princípio da isonomia, tratando de forma desigual os rendimentos do trabalho (tributados em até 27,5%) e os rendimentos de capital (isentos). A nova regra buscaria corrigir essa distorção.

  • Direito Adquirido e Segurança Jurídica: Mudanças nas regras de tributação sempre geram debates sobre a segurança jurídica. Investidores que aplicaram recursos sob a regra da isenção podem ser surpreendidos pela nova cobrança, o que exige regras de transição claras para não violar a confiança legítima.

A jurisprudência atual, focada na isenção, precisará se adaptar. Decisões como a do TRF-3 no caso ApelRemNec 50077603020174036100, que analisa a não tributação de dividendos em operações societárias, demonstram como o sistema atual está estruturado para não onerar a distribuição de lucros já tributados na pessoa jurídica.

4. Consequências Econômicas e Impacto nos Investimentos

Do ponto de vista econômico, os impactos são igualmente relevantes:

  • Mercado de Capitais: A tributação pode tornar os investimentos em renda variável menos atrativos no curto prazo, potencialmente levando a uma desvalorização de ações de empresas boas pagadoras de dividendos.

  • Comportamento das Empresas: Com a tributação, empresas podem optar por reter mais lucros para reinvestimento em suas operações, o que pode ser positivo para o crescimento de longo prazo, mas reduz o retorno direto aos acionistas.

  • Arrecadação e Distribuição de Renda: O governo espera um aumento significativo na arrecadação, que poderia ser utilizado para financiar políticas públicas ou para desonerar outros setores da economia. Além disso, a medida tem um potencial efeito redistributivo, ao incidir sobre uma renda hoje concentrada nos estratos mais ricos da população.

Conclusão

O fim da isenção sobre dividendos representa uma das mudanças mais estruturais propostas pela Reforma Tributária. Se por um lado busca alinhar o Brasil a práticas internacionais e promover maior justiça fiscal, por outro, gera preocupações legítimas sobre o aumento da carga tributária, a bitributação e os impactos no mercado de capitais.

A aprovação e a implementação dessa medida exigirão um cuidadoso equilíbrio entre a redução do IRPJ e a nova alíquota sobre dividendos, além de regras de transição que garantam a segurança jurídica. O debate continua aberto, e seu desfecho será determinante para o futuro do ambiente de negócios e do sistema tributário brasileiro.